sábado, 28 de abril de 2012

 
 
FAZER UM POEMA SOBRE A CIDADE, TENDO COMO MOTIVAÇÃO OS TEXTOS ABAIXO.
 
 
 
RIO DE JANEIRO

“Fios nervos riscos faíscas
As cores nascem e morrem
Com um impudor violento
Onde meu vermelho? Virou cinza.
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos
Com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias
Pedante nas livrarias…
Nas praias nú nú nú nú nú
Tú tú tú tú tú no meu coração.
Mas tantos assassinatos, meu Deus.
E tantos adultérios também.
E tantos, tantíssimos contos do vigário…
(Este povo quer me passar a perna)
Meu coração vai molemente dentro de um táxi!


CORAÇÃO NUMEROSO

Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do colar
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.


LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO





Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!



     Neste poema, Drummond usa a técnica da oposição.  Todos os fatos expostos têm a finalidade de levar o leitor ao último verso. E, ao dizer, que havia jardins e manhãs naquele tempo, na verdade, ele quer dizer que não há mais jardins e manhãs nos dias de hoje, De uma caso particular, Clara, o poema vai ao universal (o mundo inteiro, A  Alemanha, a China, tudo era tranquilo em redor de Clara.) e os fatos simples  como ter medo de gripe, calor e insetos podem ser lidos como medo de perigos maiores, coletivos, e não só individuais.

     Prestemos atenção de que é não sobre Clara que o poema fala, mas de um mundo em que acontecimentos pequenos e cotidianos, idealizados pelas cores (verde, dourado, azul, róseo, alaranjado), dão lugar a um mundo do qual o leitor não sabe nada, senão que “jardins’ e “manhãs” desapareceram. Podemos interpretar estas duas palavras de várias maneiras, uma vez que estão impregnadas pelo simbólico.

    De qualquer forma, o texto fala de ausências e faltas, sejam elas quais forem. Trata-se de uma crítica ao momento (em que foi escrito e/ou publicado), em que – repetimos – o verbo no pretérito imperfeito quer se referir ao presente. Temos, portanto, uma oposição temporal.

    Esta técnica de dizer indiretamente algo foi muito usada em tempos repressores para burlar a censura mais rigorosa, ou, com intenção irônica, para deixar que o leitor conclua sem muita dificuldade o que o autor sugeriu.





Marcus Vinicius Quiroga