Construção
Um grito pula no ar como foguete.
Vem da paisagem de
barro úmido, caliça e andaimes hirtos.
O sol cai sobre as
coisas em placa fervendo.
O sorveteiro corta
a rua.
E o vento brinca nos bigodes do construtor.
Reparemos no pequeno poema que cada verso
só tem um verbo e que não há conectivos (conjunções, pronomes relativos,
preposições) unindo
os versos, com exceção do último. A ausência de conectivos e os períodos
simples caracterizam um escrever primário, típico da criança, de quem está se
iniciando na uso escrito da língua, no entanto Drummond e vários outros poetas
se valeram desta construção para fins literários.
A independência dos versos valoriza o que
é dito em cada um deles e, por justaposição, vai acrescentando os fatos desta
cena de construção,
estimulando a visualização gradativa por parte do leitor.
O último verso, em destaque, destoa dos
demais pela surpresa da ação
corriqueira e sem significado para a construção: o vento brinca nos bigodes. A
coinstrução em si (barro, caliça, andaimes, placa) está no poema a serviço do
acontecimento banal, que é o pequeno movimento dos bigodes do construtor.
A câmara (digamos assim) se desloca da panorâmica
para o close do detalhe: o bigode é a metonímia do homem. Humaniza-se a cena e a
visão do eu poético.
Nenhum comentário:
Postar um comentário